quinta-feira, 25 de novembro de 2010

maria

Maria perambula cheia de sacolas pelo centro da cidade. Morena, estatura baixa e um pouco acima do peso, cabelos despenteados, as calças sujas e os sapatos rasgados. Mas quase sempre sorrindo. Só não sorri quando conta, indignada, a perversão dos policiais e dos bandidos vista por seus olhos.

O quarto de Maria é a parede de uma farmácia e a calçada de uma das principais ruas do centro da cidade. O teto é uma pequena proteção contra a chuva no canto da calçada. A luz é a lâmpada do poste da esquina. A janela do seu quarto é a rua, os pedestres, o vento, a geada, o frio.
Nas suas inúmeras sacolas, estão suas roupas e calçados. Em uma delas, fica sua cama: um colchão surrado e rasgado, com a espuma amarela visível. Tem o formato curvilíneo, o que indica ser um velho companheiro das andanças de Maria.
Em uma das sacolas, Maria carrega alguns disfarces. Entre eles, uma capa de chuva preta que quase encosta no chão. É sua diversão em noites de solidão.
Era uma noite chuvosa, e a Venâncio estava silenciosa e deserta. Maria observava os pingos no asfalto, que se alternavam entre uma fraca garoa e gotas intensas.
Ao lado do colchão em que estava deitada, em cima da pilha de sacolas, avistou um objeto. Uma pasta que parecia estar cheia. “De onde veio essa pasta?”, pensa Maria, e esfrega os olhos. Na sua distração ao olhar a chuva, alguém deve te-la deixado ali. Um presente de algum generoso? Talvez. Mas o que conteria?
Cuidadosamente, e observando se havia algum malandro por perto, tentou abrir. Uma espiada inicial. Espantada, não acredita no que vê. Para ter certeza, pega as cédulas e analisa uma por uma. Era muito dinheiro.
Feliz da vida e ainda sem acreditar, guarda o maço de dinheiro de volta na pasta. Olha para os lados e se certifica da rua deserta. Se não há ninguém , como e de onde esta pasta apareceu? “Só pode ser presente de Deus”.
Cheia de planos, Maria inventa mais uma de suas brincadeiras. Com a capa de chuva preta, uma gola erguida e um guarda-chuvas quebrado, começa a andar pelas ruas. Assusta um ou outro passante e ri sozinha. A pasta, cheia de dinheiro, debaixo do braço.
Gargalhadas altas. Agora, com dinheiro, poderá pegar de volta sua filha e sustenta-la. Comprar pão, presunto e queijo todas as manhãs. Ajudar os amigos da rua, sentir uma roupa decente, comprar uma casa, conhecer o outro lado do mundo, ser dona da rua inteira. Sorri, pula, comemora e os passantes a estranham. Maria grita.
Assustada, acorda com seu grito. A chuva continua caindo sobre o asfalto molhado e a rua segue deserta. Só se ouvem os pingos de chuva. O céu dá indícios do amanhecer. A capa de chuva que vestia estava molhada. No colchão e em cima da pilha de sacolas, não havia nenhuma pasta. Nem na sua mão, nem nos arredores. Acostumada, Maria caiu em si.
Mais um devaneio para sua coleção.

4 comentários:

  1. lindo e muito sensível o texto Lici!
    Parabéns =)

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  2. Muito bom o texto, Liciane, parabéns!!!
    Glaíse

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  3. Escreve pouco a Lici, hein? Muito booom!
    Sabe quem me lembrou? Aquela mulher que mora na esquina da Drogamed, perto do viaduto da Rio Branco.
    Parabéns!!

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  4. lindo lindo licinha, parabéns, mais uma vez!

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