quinta-feira, 30 de setembro de 2010

ela fala por mim

Sempre desconfiei que a Martha Medeiros direcionasse as crônicas a mim. Noossa, quanta pretensão, né! O fato é que ela fala a minha língua. Ela traduz o que eu sinto. Parece que desvenda tudo aquilo que eu penso como se tivesse decifrado um pouco de mim, e despeja num texto bem feito.(e sei que esse pensamento é compartilhado por muitas mulheres...)
Por isso, faço das palavras dela, as minhas.


Eu, modo de usar:

Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir. Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar. Acordo pela manhã com ótimo humor mas ... permita que eu escove os dentes primeiro. Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre minha nocauteante beleza. Tenho vida própria, me faça sentir saudades, conte algumas coisas que me façam rir, mas não conte piadas e nem seja preconceituoso, não perca tempo, cultivando este tipo de herança de seus pais. Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto, um albergue da juventude. Eu saio em conta, você não gastará muito comigo. Acredite nas verdades que digo e também nas mentiras, elas serão raras e sempre por uma boa causa. Respeite meu choro, me deixe sozinha, só volte quando eu chamar e, não me obedeça sempre que eu também gosto de ser contrariada. ( Então fique comigo quando eu chorar, combinado?). Seja mais forte que eu e menos altruísta! Não se vista tão bem... gosto de camisa para fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço. Reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto: boca, cabelos, os pelos do peito e um joelho esfolado, você tem que se esfolar as vezes, mesmo na sua idade. Leia, escolha seus próprios livros, releia-os. Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida (...). Não seja escravo da televisão, nem xiita contra. Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. Escolha um papel para você que ainda não tenha sido preenchido e o invente muitas vezes.

Me enlouqueça, mas, me faça uma louca boa, uma louca que ache graça em tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca ... Goste de música e de sexo. goste de um esporte não muito banal. (...) Deixa eu dirigir o seu carro, que você adora. Quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras mulheres, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Não me conte seus segredos ... me faça massagem nas costas.
Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções. Me rapte! Se nada disso funcionar ... experimente me amar.
Martha Medeiros

terça-feira, 21 de setembro de 2010

chuva

eu gosto do barulho da chuva que cai no telhado, que bate na janela, que escorrega no chão, que voa com o vento, que pinga no guarda-chuva, que cai nas folhas secas. eu gosto do cheiro da chuva que fica no chão do asfalto, na grama, na terra recém molhada... gosto dos respingos de chuva na janela do quarto, na porta do carro, nas poças d'água, nas flores e nas folhas, na sacada e no casaco.
gosto da chuva reluzida na luz amarelada da rua. gosto de ver as gotas descendo lá de cima misteriosamente até formarem um círculo molhado no chão. gostava de tomar banho de chuva e tentar acertar os pingos na minha boca, quando criança. enxergar a chuva indo embora na água acumulada entre o meio-fio e a rua. e gostava de deixar a água formar desenhos na calçada... 


*ao som de: gotas de chuva no telhado.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

pra dar um tchau pro baixo astral

Hoje não foi a primeira vez. No início, o acanhamento natural,  que aos poucos se esvaiu com as brincadeiras dos dois irmãos. No palco, entre as cortinas que se abriam e os holofotes simples, num momento em que só se ouviam o violão e uma onda de aplausos, eles surgiram pra (en)cantar. Hoje, só reafirmei o que eu já tinha visto há um ano atrás(escrevi aqui), e tive mais certeza do talento deles. 
foto guilherme kalsing
Os irmãos Ramil entendem mesmo de música. E sabem de verdade ganhar o público: Kledir cantando Paixão. Kleiton tocando o violino com a plateia. Um passeio gostoso lá atrás, no tempo dos Almôndegas... Vira virou. Vento negro. Os irmãos emocionando, na música mais fraterna de todos os tempos (..vou sempre estar aqui, junto a ti, feito corpo e alma...meu irmão, meu par)...
 Pra mim, isso que é música: a voz acalentadora do kledir, misturada com o som do meio violino do kleiton, formando a melhor sonoridade. simpatia, originalidade, letras sensacionais, poesia em forma de melodia. isso é talento.
sim, faltaram algumas músicas do disco autorretrato, que por sinal é bom demais. mas o hino aos bons amigos - autorretrato - foi cantado, e aquilo já me ganhou.
enfim. mais um show memorável. muitos mais suspiros bons. eles sim, sabem dar um tchau pro baixo astral. hoje vou dormir bem.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

daqueles que arrepiam...

Um senhor perambula pela rua. Atrai os olhares de um jovem estudante de medicina, que passa a ter curiosidade na criatura. Procura saber mais e se aproximar do maltrapilho. Ora, o que um morador de rua teria de interessante pra contar? ...Depois de algum tropeço e barreiras quebradas, descobre que o mendigo conhece a fundo a mente humana. Criam um laço de amizade gigantesco. Falcão, o mendigo, ensina ao jovem acadêmico o que ele provavelmente não aprenderia em nenhuma faculdade de medicina. No meio de sua insanidade, existe uma pureza indecifrável. Certas revelações fazem o estudante enxergar moradores de rua de outra maneira. Por trás de uma loucura há uma história. Todos eles têm. E algumas, completamente inusitadas.

Se até aqui não sabem do que se trata esse parágrafo, explico: essa é a história do Futuro da Humanidade. Um dos livros mais especiais que já li (e para o qual se encaixa exatamente aquela frase que diz que os livros não mudam o mundo, mas mudam as pessoas, e essas sim mudam o mundo).

Hoje, quando abri o jornal, já pulei pra crônica do dia. Marcelo Canellas. Fazia tempo que não lia um texto daqueles que, quando chega na última frase, vem o arrepio e um suspiro. Por isso, quis dividir ele por aqui. E vocês vão entender o porquê do parágrafo acima, quando lerem aí embaixo.

Good Night

– Good night! – cumprimentava com voz gutural, anunciando solenemente sua chegada aos fregueses dos bares apinhados. Insólita figura calçando havaianas e vestindo um fraque puído cuja aba de trás descia por sobre uma bermuda esfarrapada, era o nosso mendigo de estimação.
– Good night! – repetia. E de tanto repetir já ninguém mais o chamava de Raimundo, seu nome de batismo segundo ele próprio garantia, mas tão somente de Good Night. Circulava pela noite de Brasília e parava sempre na nossa mesa.
– Ô Good Night, quem foi que te deu esse fraque?
– O embaixador da Prússia.
Quando alguém dizia que a Prússia não existe mais e que nunca teve embaixada em Brasília, Good Night apenas resmungava, com ar de enfado:
– Quanta ignorância!
E passava a dar uma aula sobre a força dos bálticos, o poder dos cavaleiros teutônicos e as façanhas do general Otto Von Bismark.
– Quem foi que te ensinou isso Good Night?
– A vida – explicava, gabando-se de correr o mundo na marinha mercante, de contrabandear ópio na China ou de lutar nas fileiras da Legião Estrangeira. Simpatizou comigo e resolveu espalhar por aí que eu era seu irmão.
– Que história é essa Good Night, você também é lá de Santa Maria?
– Ce ne sont pas seulement les liens du sang qui forment la parenté, mais ceux du coeur et de l’intelligence – respondeu num francês tão impecável que tive de pedir ajuda para traduzir (“não são somente os traços de sangue que formam o parentesco, mas também os do coração e os da inteligência”).
– Com quem você aprendeu francês, Good Night?
– Com Montesquieu.
Tentei levantar a história de vida dele, mas sem documento de nenhuma espécie, sem parentes ou qualquer referência de sua origem, pude apurar apenas que ele chegou a estudar História em Salvador e foi acometido de esquizofrenia por volta dos 20 anos. Devia ter uns 60 quando o conheci. Eu e alguns amigos conseguimos uma vaga para ele num albergue público e um bico de jardineiro no Lago Sul. Mas ele logo abandonou cama e serviço, voltando a zanzar pela noite com seu indefectível cumprimento:
– Good night!
Dia desses, depois de uma longa viagem de trabalho, soube de sua morte. Permaneci uns três dias enlutado, doído, como quem perde um naco do coração, como quem cai no vácuo da inteligência. Eu só queria ter me despedido, eu só queria ter dito:
– Good night, brother. God bless you.
[Marcelo Canellas]
(publicada no Diário de Santa Maria, em 15.09.)

domingo, 12 de setembro de 2010

rainy sunday

dia de usar calça de abrigo e blusa de malha, se atirar no sofá, ficar nos lençóis até mais tarde. assistir um filme - ou vários, adiantar as leituras, tomar muito chimarrão, comer muito doce, ligar a tv e mandar o faustão calar a boca. ouvir música boa, escutar a chuva lá fora, falar com a mãe pela internet, com o pai pelo telefone, ver o dia anoitecer e sentir saudades de casa...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

..e faz bem.

"é uma coisa tão pequena, né? e faz tão bem". essa frase foi jogada por algum de nós, enquanto estávamos atirados na grama debaixo de um céu azul e um sol lindo. a tarde era de vento leve e fresquinho. o chimarrão acompanhava, e as risadas, poses e músicas desafinadas predominavam na roda.
o fato é que o intercom proporcionou muito mais do que as oficinas, apresentações e palestras que agregaram muito a quem participou. foi um misto de muita parceria, risadas, músicas e outras culturas. é claro que foi muito do nosso chimarrão e da nossa polar pros desconhecidos de outros estados. foram até dancinhas italianas. foram muitos cenários, muitas fotos, muitas festas e muita gente querida. tudo muito!.
fato também a sensação boa ao final de tudo isso, sucedida da sensação vazia ao chegar em casa e ver tudo silencioso. a tal da boa sensação mostrou que foi tudo super aproveitado. viagem memorável, desde a saída às duas da madrugada de sexta-feira até a volta já de saudade antecipada.
e lá na grama, debaixo de um sol espetacular, a gente conversava...
..são coisas tão pequenas. e fazem tão bem!