sexta-feira, 16 de março de 2012

Apego


Há algumas semanas, a RBS TV Cruz Alta mostrou no JA uma história super inusitada: um americano que anda pelo mundo com um burro, percorrendo a América Latina. Na semana passada, o Diário teve a oportunidade de mostrar a história de perto: o Jonathan, o americano, passou pela nossa região. Pernoitou em Val de Serra e foi hospedado na casa de uma comerciante, depois veio em direção a Santa Maria e acampou em um local da BR 158, em Itaara.

Ele passou por Santa Maria também, atraindo atenção de simplesmente todas as pessoas que cruzaram com a dupla. Ganhou hospedagem, alimentos e chapéus de recordação. Contou a sua história para repórteres e pessoas que o encontravam no caminho. Sempre, é claro, acompanhado do burrinho de estimação - e de carga, mesmo - apelidado de Judas.

O burro Judas e Jonathan, em Itaara. Foto: Jean Pimentel
 Não tive a oportunidade de encontrar com Jonathan.  Mas, sinceramente, me apeguei essa historinha. Queria muito ter conversado com Jonathan e poder ouvir e ver, de perto, os motivos dessa virada de vida, dessa coragem de caminhar o mundo, de "se encontrar espiritualmente" através da estrada.
Pra quem ainda não sabe direito a história, o Jonathan Dunham é um bioquímico, formado e pós graduado nos Estados Unidos.

Há sete anos percorre caminhos, cidades e casas de pessoas desconhecidas.
Deixou de lado o mundo das fórmulas da bioquímica para tentar entender que a vida vai além disso. Na época, largou e se desapegou de tudo. Segundo o que relatou para a repórter Luísa Kanaan, não tinha esposa, nem filhos, mas tinha a vontade de encontrar Deus, a partir dessas viagens. Então, mochila nas costas e lá se foi.
Na Venezuela, em 2008. Foto: George Castellanos
O burro apareceu depois que o americano trabalhou em uma fazenda, no México. O patrão o deu de presente para acompanhá-lo na sua jornada. Desapegado de (quase) tudo, Jonathan seguiu estrada, agora não mais sozinho: ele, e Judas.
O animal ajudava o americano a carregar seus mantimentos, como algumas roupas e material para montar sua barraca no acampamento. Quando Jonathan conversou com o Diário, disse que o bichinho tinha um sexto sentido, e o ajudava a reconhecer quando as pessoas que encontrava eram confiáveis. Por muitas vezes, Judas foi único companheiro do americano nas suas andanças. Sim, como ele mesmo relata no blog , ele já passou dias sem enxergar outra coisa senão estrada e campo. Nesses momentos, tinha sempre ao lado o seu fiel companheiro. Juntos, percorreram mais de 18 mil quilômetros em cinco anos de convivência.


Mas, depois de passar por Santa Maria, na estrada entre Caçapava do Sul e Bagé, o burrinho passou mal. Foi na madrugada de terça para quarta, segundo relatado pelo americano a um caçapavense, que o hospedou em casa, com quem conversei ontem a  tarde. O burro correu em disparada e Jonathan demorou a encontrá-lo novamente. Na manhã de quarta, Jonathan ligou para o caçapavense, avisando que Judas passava mal. O homem foi até o local, e quando chegou, Judas já havia morrido
O americano era só sentimento. Triste, não quis conversar com ninguém. Não tinha jeito de falar com imprensa. Estava entristecido e tudo o que queria era carregar o burro até o último local que acamparam, para enterrá-lo. Escondeu-se num mato, quis ficar sozinho e pensar na vida. Depois, passou  a noite fazendo a cova do bicho.
 
Imagine. Um homem desapegado de tudo. Corajoso para trocar o conforto de uma vida certa pela aventura das madrugadas e serenos de estradas escuras, vazias, silenciosas. Sem apego material, sem apego à terra natal, sem apego às pessoas que encontra no caminho, sem apego à família que deixou. Mas a trajetória criou um apego inevitável: com seu bicho de estimação, seu companheiro de travessias, seu amigo Judas.
Última parada de Jonathan com seu burro, em Caçapava. Foto: Marcelo Marques


 Agora, Jonathan ainda não sabe o   que vai fazer da viagem. Não sabe  se continua a travessia sem Judas.
Ou se, cabisbaixo, volta para a terra natal... Dessa vez, com mais saudade.

domingo, 4 de março de 2012

um brinde ao Tempo

A Vida da Gente me chamou a atenção já o primeiro capítulo, lá em setembro. Desde o elenco (Rafael Cardoso e Leona, os gauchinhos), até a trilha sonora (embalada por, entre outros, Paulinho Moska e Bob Marley) e os detalhes minuciosos das locações onde a novela foi gravada. De Gramado a Porto Alegre, passando pela cidade cenográfica no Projac, até as roupas de inverno que cada personagem vestia. As cenas que traziam a novela pra um sentimento "tô em casa": o Parque a Redenção, o parcão, as imagens aéreas da Capital, o Guaíba, o pôr-do-sol alegre de Porto...
Mas o mais lindo, sem sombra de dúvidas, foi o enredo. Tá certo que lá no meio da história, parece que a escritora se embananou e não decidia quem ficava com quem. Era um troca-troca das irmãs, um vai-e-vem dos casais que parecia não ter fim. Mas no fim das contas, acredito que a história tenha agradado a quem estava acompanhando desde o comecinho.

Depois da união pela doença de Julia, Rodrigo ficou com Manu, com quem passou pelas maiores dificuldades da vida, aprendendo a criar uma criança e sofrendo a ausência de Ana. Ana, paixão adolescente de Rodrigo, acabou no final das contas com quem passou com ela os seis anos de coma e a quem conheceu de olhos fechados: Lúcio.
O mais lindo de tudo, mesmo, foi o brinde final. Absolutamente justo. Na voz da vovó Iná, personagem de Nicete Bruno, uma lição linda. Quase uma poesia...

...Quem teve o privilégio de viver muito sabe que o tempo é um mestre muito caprichoso. Às vezes, as suas lições são tão repentinas que quase nos afogam. Outras vezes, elas se depositam devagar como a conta gotas diante da avidez das nossas perguntas. E, por isso, quem teve o privilégio de viver muito tempo, aprende a olhar com serenidade o turbilhão da vida.
Amores ardentes se extinguem. Urgências se acalmam. Passos ágeis, alentam.


Enfim, tudo muda. Muda o amor, mudam as pessoas, muda a família, só o tempo permanece do mesmo modo, sempre passando.


Um brinde ao tempo que esculpiu no meu rosto e na minha alma a sua marca que tanto me orgulho.

Ao tempo! Ao tempo!"

E o final da novela, não foi nada além do que o tempo mostra. Nem todos mudam (assim como Eva e Vitória, que apesar do tempo, continuaram iguaizinhas). Há feridas que só o tempo cicatriza. E coisas que só o tempo vai colocar no lugar. E momentos que ninguém consegue te explicar,  só o tempo.
Pra fechar com chave de ouro, a voz de veludo da Maria Gadu deu o ritmo das últimas cenas, com a Oração ao Tempo, composição do Caetano.



“(...)Do lado de cá, dois adultos maduros, finalmente libertos daquele fardo pesado, feito de lembranças e sonhos antigos… Porque há sonhos novos do lado de cá da fronteira… E agora podemos viver…" 

"o que usaremos pra isso
fica guardado em sigilo
tempo, tempo, tempo, tempo
apenas contigo e comigo"